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24 de jul. de 2009

CANÇÃO DAS MULHERES

Que o outro saiba quando estou com medo, e me
tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio
e não vá embora batendo a porta, mas entenda
que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele
e não se irrite com minha solicitude,
e se ela for excessiva saiba me dizer isso
com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria
de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste
um pouco mais de mim, porque também
preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense
logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva,
nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda,
e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de
voltar logo à sua vida, não porque lá está a sua
verdade mas talvez seu medo ou sua culpa.
Que se começo a chorar sem motivo depois de
um dia daqueles, o outro não desconfie logo que
é culpa dele, ou que não o amo mais.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu
cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo
"Olha que estou tendo muita paciência com você!"
Que se me entusiasmo por alguma coisa o outro
não a diminua, nem me chame de ingênua, nem
queira fechar essa porta necessária que se abre
para mim, por mais tola que lhe pareça.
Que quando sem querer eu digo uma coisa
bem inadequada diante de mais pessoas,
o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que quando levanto de madrugada e ando pela
casa, o outro não venha logo atrás de mim
reclamando: "Mas que chateação essa sua mania,
volta pra cama!"
Que se eu peço um segundo drinque
no restaurante o outro não comente logo:
"Pôxa, mais um?
"Que se eu eventualmente perco a paciência,
perco a graça e perco a compostura,
o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro - filho, amigo, amante, marido
- não me considere sempre disponível, sempre
necessariamente compreensiva, mas me aceite
quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo
se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser,
a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa:
vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada
e audaciosa - uma mulher.
Que possamos continuar a nossa caminhada
com toda a garra que sempre tivemos.

(Lya Luft).

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