Enquanto Deus finalizava sua criação, ajeitando o formato de uma folha aqui, colorindo melhor um pôr-de-sol ali, uma pequena e verde lagarta se encaminhou lentamente até seus pés e chamou….
- Senhor… ó meu Senhor…
Deus olhou espantado pra aquele ser tão pequenino, que o chamava com tanta urgência, e recolheu em sua mão a pequena lagarta, que tremia de emoção.
- Ora pequenina, o que foi?
- Senhor, eu tenho observado os seres da Tua criação, e dentre todos eu amo mais os que voam! Senhor, como deve ser maravilhoso poder pular daqui para lá pelo ar, sem precisar arrastar a barriga pelo chão, vagarosamente…
- Sim, minha lagartinha, é maravilhoso, mas eu te escolhi para ser minha pequena jardineira, revolver a terra em volta das plantinhas, oxigenar o solo. É preciso que tu te arrastes pelo chão.
- Sim, meu Criador, eu bem sei disto. Gosto de meu trabalho nesta Tua criação, gosto de ver as plantas que cuido crescerem fortes, principalmente as que têm flores! Amo as flores, como são lindas e delicadas… mas subir até elas cansa tanto… e tenho medo de cair… se eu tivesse asas, poderia beijar as flores como o colibri!
- Minha pequenina, queres ser um colibri?!
- Ah, não, Senhor, sei que sou apenas um inseto, um ser pequenino na ordem das coisas, mas queria de alguma forma expressar meu amor pelas flores e por voar…
Deus olhou a pequenina lagarta verde, sorriu enternecido e falou:
- Pequenina, se em teu coração surgiu este amor tão grande por estas duas coisas, saiba que fui Eu quem o colocou aí. Mas tens de saber que, para que Eu te dê asas, terás de transmutar tua alma de forma dolorosa, terás de virar seu corpo do avesso e modificá-lo. Terás de enfrentar o escuro e a solidão. Teu pequenino coração terá de ser muito forte. E, ainda assim, teus descendentes, como tu, antes de receber as asas também deverão fazer o seu quinhão de jardinagem e de arrastarem-se pelo solo. E passarão pela mesma dor.
- Senhor, dor maior é enxergar uma rosa perfeita de longe, lá no alto da roseira, e saber que está fora do meu alcance. Dor maior é ver os insetos do ar e os pássaros do céu, enquanto fico eu aqui, eternamente coberta pela terra. Senhor meu Deus e meu Criador, quero voar!
- Pois que assim seja, pequenina, fecha teus olhos…
A pequena lagarta fechou os olhos, toda ela tensa expectativa. Deus encapsulou a borboleta entre suas duas mãos, e falou, solene:
- Pois que seja este pequeno ser uma flor que voa!
Um clarão de luz surgiu dentre as mãos de Deus, e a pequena lagarta sentiu uma dor lancinante. Era tão grande esta dor, que nem conseguia gritar. Debatia-se toda, incapaz de parar, em convulsões. Não conseguia ver, no meio de toda aquela luz, e as costas começaram a pesar…. A dor! A dor! O clarão no olhos, a escuridão em todo o resto…
Quando parecia que a dor ficaria insuportável, Deus abre suas mãos e diz:
- Pronto, pequenina. Fostes valente, eis a tua recompensa.
E tão lindas eram as asas daquela primeira borboleta, que Deus, tomado de amor por aquele pequenino ser que tivera tamanha coragem, deixa cair duas límpidas lágrimas, que caem sobre cada nova asa, deixando uma trilha de respingos azulados. O novo ser, ainda espantado e confuso, permanece estático por alguns instantes, imóvel nas mãos de Deus. Mas só por alguns instantes, e então irrompe em vôo e num grito de alegria, deixando ao partir um rastro de faíscas azuis.
Desde então, todas as borboletas levam em suas asas a marca das lágrimas de Deus.
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