O homem adquire seus meios de sobrevivência a partir do momento em que nasce. Seu corpo, antes adaptado a respirar através do líquido amniótico e alimentar-se pela placenta no ventre materno, (re)aprende uma nova forma para executar esses processos quando é dado à luz deste mundo. Uma (re)adaptação do meio ocorre a partir desse momento, cujo objetivo maior é sobreviver ao novo mundo que apresenta-se aos seus olhos.
Apesar de seus antagonismos, a vida e a morte tornam-se uma só na linha do crescimento humano. As células do corpo humano, não diferente dos outros seres vivos, dão vida ao funcionamento desse corpo. Estudadas pelas ciências químicas e biológicas, conclui-se que suas “validades” são temporárias, curtas o suficiente para serem substituídas. Dessa forma, o homem já “nasce morrendo”, ou seja, é o dom do envelhecimento.
Para suprir suas necessidades e transpor seus limites, o homem sofre metamorfoses, as quais não deixam de serem mortes, para sua (re)leitura da vida, ou melhor, das vidas que vão se interligando conforme às mudanças exteriores da sua socialização consigo e com o outro. Seja qualquer situação que exija mudança ou morte, sua alma envolve-se com o medo e o temor das surpresas, do (in)esperado. Tais sentimentos permitem-nos questionar os por quês de suas existências involuntárias imputadas ao nosso ser.
O ingresso na primeira escola; as primeiras e sucessivas quedas, da bicicleta até a vida econômica; os primeiros amores (amar nunca deixa de ser uma sensação de primícia no coração enamorado) até os inevitáveis e qualquer tipo de foras; as decepções; as inovações; a perda de um ente querido ou de um amigo; mudança de endereço, de emprego etc. Qualquer mudança gera a morte de algo para dar vida a outra “coisa” até então desconhecida, metamorfoseando a vítima desse turbilhão chamado desenvolvimento.
As evoluções sociológicas do homo sapiens fazem analogia aos conceitos biológicos da evolução darwinista. Por precisar adaptar-se ao meio em que vive, o homem transforma-se constantemente. Morrer e mudar tornam-se sinônimos nessa situação. A capacidade de integrar-se e reintegrar-se intermitam no convívio individual e coletivo da humanidade. Porém, há duas faces nessa história: o sucesso e o fracasso. Sucesso em alcançar o objetivo de ser aceito. Fracasso em perder a si mesmo. Estudos da psicologia comprovam que o homem usa “máscaras” que são colocadas, tiradas, recolocadas e retiradas conforme o necessário, proporcionando a aceitação predisposta pelas facetas da(s) personalidade(s) do indivíduo.
Entretanto, a pobreza de espírito é um canal para esses distúrbios. Mudar para agradar a outrem, deixar de “ser” para ser aceito, temer a morte seja qual for sua forma, não querer morrer por não ter certeza da vida são ventos os quais balançam e derrubam a casa que não tem alicerce. Essa base essencial para segurança de qualquer construção é o que tem faltado no cotidiano espiritual, familiar, pessoal, profissional e social do ser humano. Exatamente nessa ordem. O homem já nasce com um vazio, tentando a todo custo preenchê-lo. Por essa fraqueza, habilita-se a ter multifaces, não sabendo distinguir liberdade de libertinagem, livre arbítrio de escolhas. Limita-se ao seu ego, de forma que o amor próprio torna-se egoísta e não, altruísta. Vitimado pela fragilidade psíquica e/ ou emocional, formamos muralhas em nossa volta, deixando-nos inerentes à realidade que nos rodeia, enxergando apenas “um palmo a frente do nosso nariz”. Assim, a morte que poderia ser um alívio, transforma-se no medo do desconhecido. A vida em volta de si mesma passa a percorrer no alto da muralha, tentando enxergar alguém que possa ajudar a dar sentido a essa vida dantes banida. Transformar e ser transformado para melhorar são iniciativas e condutas pouco realizadas em nossos dias. A aceleração do desenvolvimento tecnológico e científico tem vitimado o homem ao materialismo capitalista. Como dizia Thomas Hobbes, “o homem é o lobo do homem”. Buscando nossa comodidade, trazemos nossa destruição; querendo paz, formamos guerra.
Por outro lado, o exercício da metamorfose pode trazer-nos benefícios quando as ferramentas são bem usadas. Mudar para melhorar. Morrer para dar vida. A natureza humana é tendenciosa para o mal, porém, quando reconhecemos essa fraqueza, tornamo-nos humildes o suficiente para adquirirmos uma nova vida, “amando ao próximo como a nós mesmos e a Deus sobre todas as coisas”, como diz a Bíblia, a bússola do Cristianismo. O desligamento profundo e completo do material é a ascensão do nosso espírito, importando “ser” do que “ter”. Lutar para plantar o bem sem temer o futuro da colheita.
A vida sem a morte seria um caos. Precisamos compreender o lado positivo da morte, associá-la como passaporte da nova vida (vida eterna) e não, como o fim de tudo. A partir do momento que aprendemos a viver, não tememos morrer. Pois aquele sentimento de que algo ainda falta por fazer, passa a não existir quando sabemos viver a vida que o Autor nos concedeu. O sentimento de inacabado não perdura contra o tempo, simplesmente inexiste em nosso pensamento.
Texto baseado na leitura dos livros As intermitências da morte (José Saramago) e A metamorfose (Franz Kafka).
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